
A infância e o aprendizado do autocontrole e da frustração
Por Adriana Fóz
É possível ensinar uma criança a ser mais tolerante inclusive frente às inerentes frustrações que toda vida, vive?
Esta pergunta não tem origem nas frustrações de pais, pertencentes as gerações X (nascidos antes de 1980 e depois dos baby boomers) e Y (pessoas nascidas entre 1984 e 1996), os quais quiseram poupar “todo” sofrimento, dor, dificuldade de seus filhos por um lado e por outro queriam recompensar suas faltas por estarem trabalhando fora ou por não conviverem com seus filhos.
Esqueceram de pontos básicos que dizem respeito a felicidade e satisfação do indivíduo, ou seja, que é levando tombos que aprendemos a andar; não temos tudo que queremos porque dividimos o mundo com outros indivíduos; é experimentando emoções e sentimentos que podemos aprender a lidar melhor com os mesmos; receber um não diante a negação de um desejo imediatista pode fortalecer e treinar a criatividade, a paciência e outras competências emocionais.
E o aprendizado da tolerância à frustração depende das experiências citadas acima e muito mais. Aliás, nestes tempos em que a rapidez é sinônimo de eficiência, as palavras tolerância e paciência têm sido muito pouco praticadas em várias searas. Basta prestarmos atenção à fila de carros de quem está buscando o filho no colégio; na espera da vez de ser atendido na secretaria escolar; na relação irritadiça com outro pai de aluno; na escuta da nota “vermelha” que o filho recebeu do professor por ter tido um desempenho abaixo do esperado, pois o mesmo não se empenhou, etc..
Treinar a tolerância assim como a paciência é preciso de bons exemplos e tem sido tema frequente de pesquisas que estudam sobre a competência escolar, profissional e sobre a qualidade de vida.
Bem antes de um bebê nascer, algumas estruturas e funções cerebrais já estão sendo formadas. Após o nascimento muitas outras transformações ocorrem nas sinapses, e mais, na arquitetura do cérebro. Potencializam-se e ampliam-se as relações entre os neurônios e correlatos por meio de processos maturacionais, do desenvolvimento mediante plasticidade neural, estimulações e das interações com o meio. A rotina, o afeto e oportunidades para aprendizados são como cimento e fiação da casa cerebral, a ser construída de forma firme, segura e potente.
As etapas do crescimento infantil não são lineares, tampouco, temos uma fórmula ou método milagroso para sua maior e melhor capacitação ou performance, mas sabemos que um dos aspectos fundamentais para o amadurecimento do cérebro e para a aprendizagem é o autocontrole. E aqui não me refiro a apenas o autocontrole físico, mas também o cognitivo e emocional, que claramente são interrelacionados entre si.
Desta forma, bebês que estão funcionando em termos sensoriais e motores vão aprender aspectos do controle de esfíncter, do choro, da marcha, dentre outros. Crianças mais velhas já terão um cérebro e corpo mais capazes de treinar e controlar sua vez na hora de falar, de fazer uma fila, de esperar a hora de comer, para interromper a atividade no iPad quando forem chamadas à mesa para fazer as refeições, por exemplo, e assim por diante. Entre 5 e 8 anos, os circuitos de controle de impulso têm um pico de desenvolvimento, ou melhor, estão no período bem sensível de conectividade neural.
Intervenções e métodos que exercitam o autocontrole têm tido muito bons resultados como os programas de aprendizagem socioemocional, que ensinam as crianças a se autorregularem.
Aliás, aproveito aqui a oportunidade para dizer sobre a importância deste aprendizado ser horizontalizado nas escolas e que faça parte de todas as disciplinas, sendo contemplado por todos os atores educacionais, principalmente os professores, senão podemos cair na falácia de algo que precisa ser vivenciado, introjetado e protagonizado, para ficar apenas no papel ou no texto digital, numa estratégia de marketing escolar, ou um item a cumprir de um currículo que só fala, mas não faz.
O autocontrole é resultado de treino, onde a família, a escola, a comunidade têm (devem ter) participação ativa e corresponsável. É uma qualidade autorreguladora que usamos para executar atividades tais como: brincar, pular, gritar, obedecer, estudar, nos relacionar com os outros, aprender sobre ciências da natureza ou jogar um jogo, exercitar um esporte, etc…
A intolerância desses novos tempos estão gerando jovens que não sabem esperar, que nada os satisfazem, querem sempre mais, se esforçam pouco e acreditam que fizeram muito, não valorizam esforços alheios, não terminam o que iniciam, se sentem empoderados sem ainda ter a legitimidade. Tornam-se frustrados e ainda não conseguem dispor de recursos de enfrentamento da realidade. Resultado disto: consultórios psiquiátricos lotados, fuga nas drogas, desinteresse pelo estudo, relacionamentos fugazes, e muito mais.
Por isso, durante minha apresentação no TEDx Plasticidade Emocional.1 da Sala São Paulo, mencionei que antes adoecíamos do corpo com doenças como a tuberculose, difteria e hoje adoecemos o cérebro, com a depressão e outras doenças cerebrais, as quais vêm se tornando cada vez mais prevalentes, no Brasil e no Mundo.
A tolerância a frustração treina circuitos cerebrais que nos tornam mais fortes e preparados. A intolerância nos enfraquece e ainda prediz caminhos patológicos em alguns cérebros. A psicopatia tem sido muito associada, dentre outros, a dificuldade cerebral para ser tolerante.
É cada vez mais comprovado que a plasticidade cerebral é uma característica de todo cérebro e que tem grande potencial durante a infância e adolescência. Então nesta época é maximizado o papel da aprendizagem para comportamentos, habilidades, desenvolvimento de competências, sempre levando em conta a singularidade do indivíduo.
Logo, compreender que recursos e habilidades como autocontrole, autoconhecimento, e outras em prol das competências socioemocionais é de suma relevância.
Precisamos oportunizar as crianças à experienciar algumas situações em que possam ser educadas, ensinadas em prol de sua vida acadêmica, social e pessoal. O exercício do autocontrole promove muitas das habilidades socioemocionais.
O autocontrole e a tolerância é como Romeu e Julieta, queijo com goiabada ou ainda, aplicativo e celular.
Agora, você pai ou mãe, ou especialista está ciente de seu papel e está ajudando, permitindo e promovendo que seu filho, aluno, cliente treine sua tolerância a frustração?
Segue um quiz, retirado do livro Frustração da editora Benvirá.2, de minha autoria, para que possa responder e refletir sobre alguns aspectos do aprendizado da tolerância às frustrações infantis.
Quer saber mais sobre o assunto? Entre em contato conosco!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- TEDx Plasticidade Emocional –
https://www.youtube.com/watch?v=YLGSjLSEgo8
- Fóz, A. Frustração. São Paulo: Benvirá, 2019.
PARA SABER MAIS:
- MOFFITT, T. E. A Gradient of Childhood Self-Control Predicts Health, Wealth, and Public Safety. PNAS, 108 (7), p. 2693-8,2011.
- GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que define o que é ser inteligente, 2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.