– O que pode ter gerado essa crise de ansiedade coletiva?
Não sabemos ao certo, mas pode ter havido um contágio emocional entre esses jovens. Ou seja, um deles experimentou uma crise de ansiedade e os demais passaram a sentir-se do mesmo modo. As emoções têm um efeito de contágio: pessoas em um grupo que estão alegres e rindo tendem a levar as outras a rir também e ter seu estado emocional influenciado. O mesmo para a tristeza, para o medo e, neste caso, para a ansiedade. As emoções surgem no processo evolutivo como mecanismo para aumentar nossos recursos de sobrevivência – e o contágio emocional fazia, por exemplo, que nos primórdios da vida humana um ou alguns indivíduos que expressassem medo, o que indicava que havia algum perigo iminente, induzissem esta emoção no grupo, mobilizando reações de fuga ou de busca de proteção, o que aumentava a chance do grupo de evitar a ameaça.
Hoje vivemos em condições materiais, sociais e psíquicas muito mais complexas e as emoções igualmente tornaram-se um fenômeno de maior complexidade, com o surgimento de outras emoções aprendidas culturalmente e a modificação daquelas inatas, emoções primárias que todos os seres humanos têm e que compartilhamos também com outros animais.
Alcione Marques, mestre em ciências pela UNIFESP, pedagoga e psicopedagoga, é diretora da Neuroconecte, onde trabalho com Educação Emocional de educadores e Saúde Mental na escola.
– Qual relação entre escola e ansiedade?
A ansiedade pode ser explicada como um medo de que algo ruim aconteça. É uma antecipação de um risco potencial e faz com que o corpo tenha reações que o preparam para agir frente a possibilidade de uma ameaça. O aumento dos batimentos cardíacos, a respiração acelerada e a tensão muscular são algumas reações físicas frente à ansiedade. É importante dizer que ela é natural e necessária: nos mobiliza para lidarmos com situações que podem ser desafiadoras – física ou psicologicamente – levando a nos preparar melhor, por exemplo, para a apresentação de um trabalho ou para fazer um teste. A ansiedade também faz com que evitemos uma circunstância que possa trazer um risco real – como passar por uma rua escura e deserta. A ansiedade se torna um problema quando ela passa a ser desproporcional aos eventos ou mesmo como resposta a receios de algo que não é identificado, podendo inclusive ser a manifestação de um transtorno mental, o transtorno de ansiedade.
A escola é um espaço importante para a socialização do jovem, para a construção da identidade, para o sentimento de pertencimento a grupos nesse momento de transição entre a infância e a idade adulta. O aspecto social para o jovem é algo muito valioso. Para alguns indivíduos que têm experiência de exclusão, de violência, de bullying ou qualquer outra que possa representar um risco não só físico, mas psicológico, a escola pode ser percebida como um local potencialmente ameaçador, fazendo com que os “sistemas de alerta” dos estudantes estejam sempre acionados, levando a altos níveis de ansiedade.
– Qual o impacto da pandemia nesse cenário?
O que fica cada vez mais evidente é que o longo afastamento da escola teve impactos muito maiores em crianças e jovens do que podíamos, como educadores, supor. Eles perderam habilidades sociais e emocionais, o que pode fazer com que tenham maior dificuldade para manejar suas emoções, se relacionar e para lidar com questões sociais que antes poderiam parecer menos desafiadoras.
É possível que muitas escolas tenham erroneamente pensado que uma semana de acolhimento e adaptação fosse suficiente para retomar a rotina que a escola tinha antes da pandemia, mas o que estamos vendo é que a escola terá de atuar de uma maneira mais ampla e menos superficial neste contexto. Terá de priorizar ações e espaços de escuta, de trocas, de apoio – talvez seja necessário rever o que será ensinado, pois não será possível ensinar tudo.
– Como lidar com a ansiedade dos estudantes?
De um modo geral, trabalhando a aprendizagem socioemocional para que compreendam as emoções, as identifiquem, possam dar nome a elas e, finalmente, aprimorem estratégias para lidar melhor com elas. Esse processo já era crucial antes da pandemia, mas agora tornou-se ainda mais urgente.
Construir um ambiente emocionalmente seguro, com um clima escolar positivo é fundamental, já que o estudante tenderá a se sentir protegido na escola e tenderá menos a ficar frequentemente em estado de alerta.
Em um momento de ansiedade mais intenso, ficar ao lado do estudante, transmitindo segurança, calma e procurando tranquilizá-lo ajuda. Uma atitude de acolhimento e escuta são sempre positivos. Propor que o jovem respire pelo nariz profundamente e expire lentamente pela boca auxilia na diminuição das sensações físicas desagradáveis.
Para isso, é importante dizer que os educadores têm que saber mais sobre as emoções e mesmo sobre a saúde mental, naquilo que cabe à escola. Uma sugestão é baixar gratuitamente o livro Conversando sobre saúde mental e emocional na escola, em que sou uma das autoras, e pode ser acessado aqui: https://neuroconecte.com.br/
– Quais as dicas para aliviar a ansiedade?
Levar os estudantes a conversar em grupo sobre seus receios e temores e levá-los a refletir sobre a dimensão real do risco pode ajudar muito. Mas, como disse, é um trabalho de longo prazo e tem de fazer parte das atividades regulares da escola.
A prática de esportes, de atividades artísticas e de meditação são aliados preciosos para diminuir a ansiedade dos estudantes (e de todos nós!). Vi algumas escolas querendo diminuir o número de aulas de Educação Física para aumentar o tempo dos estudantes de se prepararem para o vestibular. Nada mais contraproducente: os estudos mostram que a atividade física na adolescência e na juventude, além de aumentar a capacidade de aprendizagem, melhora enormemente o estado emocional dos estudantes.