Maturação, Desenvolvimento e Períodos Sensíveis
Por Adriana Fóz
O que é Neurociência?
Segue uma breve introdução ao tema, como um aquecimento de nossos neuro curiosos neurônios diante um novo assunto ou uma nova abordagem.
Voltando um pouco no tempo, foi a partir de 1950 que a Neurociência passou a ganhar força, pois até então era considerada uma “caixa preta”.
No século XVII, Descartes sustentava a ideia de dualidade, ou seja, corpo X alma ou mente X cérebro, criou a frase icônica dita pelo filósofo francês René Descartes -“Penso, logo existo” -, que marcou a visão do movimento Iluminista, colocando a razão humana como única forma de existência.
Desde o século XIX já existia uma Psicologia com uma proposta de uma abordagem científica da mente. A neurociência começava sua fase embrionária, principalmente após a descoberta do neurônio como unidade fundamental do cérebro, além do advento da Inteligência Artificial, é claro.
Foi a época em que o cérebro era visto como um computador e a mente como um software.
Em 1990 é publicado o livro “O erro de Descartes”, de Antônio Damásio, onde se revê , amplia e ganha-se uma nova compreensão da relação entre a “estrutura”e as “funções” do cérebro. Agora mais dinâmica, complementar e interativa.
Ao longo desta década o quadro muda novamente com a biopsiquiatria, com descobertas sobre a depressão, medicamento Prozac, a neuroimagem, etc.. Mas, e a consciência?
Antes, reduto da filosofia passou a ser matéria prima da neurociência. Da questão dual passamos a ter uma outra triangular: mente- cérebro- consciência.
A questão hoje não é apenas como os cérebros podem gerar mentes, mas como as mentes podem afetar seus cérebros. E mais, como a mente afeta o cérebro, o organismo e vice-versa.
A neurociência abarca estas questões. Assim como as áreas interdisciplinares: a neuroeducação, a neuropsicologia e ainda, a neuropsicopedagogia.
A questão da delimitação de áreas, das searas de saberes, ainda será tema de anos pela frente. Mas uma coisa é certa: a neurociência é a “bola da vez”!
Pra que e por que neurociência na Educação?
“Dois aspectos importantes das neurociências para a educação são: a organização funcional e as áreas especializadas para processar informações em categorias”, segundo Elvira Souza Lima. Estas dimensões são essenciais uma vez que podemos considerar a maleabilidade das redes neurais, ou seja, a possibilidade de reconfiguração destas.
Como mencionado anteriormente, a neurociência trata das relações entre mente- cérebro- consciência.
A Educação escolar representa as áreas do ensino e da aprendizagem, do conhecimento e desenvolvimento de habilidades, de modo geral.
Para ensinar e aprender devemos considerar nossos recursos, nossa cognição. Na aprendizagem contamos com estruturas físicas (corpo), psicológicas (mente) e cognitivas (mente/cérebro). Ou ainda, contamos com redes neurais e sua capacidade dinâmica de reconfiguração que a partir da educação podem ser otimizadas e reorganizadas.
”Com a cabeça, o coração e as mãos”, assim deve ser o aprendizado ideal, já postulava Pestalozzi (1746-1827).
Hoje sabemos que ele tinha razão, o cérebro reúne três aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação. Linhas e agulha para tecer o Aprendizado.
E quando falamos de cognição não podemos deixar de falar de Jean Piaget, que dentre várias contribuições preciosas, organizou o desenvolvimento cognitivo em estágios:
- sensório motor (0 a 2 anos);
- pré-operatório (2 a 7 anos);
- operatório (7 a 12 anos);
- formal ou abstrato (13 anos em diante).
Cada fase tem sua própria organização, esquemas e possibilidades de aprendizagem. “Aprender fazendo” é o princípio que rege os primeiros anos, depois “aprender aprendendo”, “aprender pensando”e “pensar aprendendo”.
A ciência do cérebro nos traz uma complementaridade e ao mesmo tempo, um lastro para tais conhecimentos construtivistas, assim como veremos logo adiante.
O cérebro insere dois aspectos bastante importantes para compreendermos a aprendizagem: maturação e desenvolvimento.
Primeiramente o cérebro se desenvolve a partir das regiões posteriores até a parte frontal. Ou seja, amadurece primeiro a região occipital, depois parietal e temporal para depois terminar a região frontal.
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Região Occipital: responsável pelas informações visuais
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Região Parietal: responsável por aspectos motores
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Região Temporal: responsável por informações auditivas
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Região Frontal e Pré-frontal: responsável pelo raciocínio, flexibilidade, atenção, dentre outros.
Isso explica porque uma criança de 4 anos não coloca a linha numa agulha, também porque uma criança de até 4 anos aprende qualquer língua sem sotaque e também porque é mais difícil para uma criança controlar seus impulsos.
Como e quando o cérebro aprende?
O cérebro aprende desde cedo, desde que é uma “cabeça de alfinete”.
O cérebro aprende através das habilidades, das necessidades, da motivação, da curiosidade, interesse, da repetição e das fases inerentes ao desenvolvimento neuro-cognitivo.
O cérebro aprende desde sempre.
Nascemos com 86 bilhões de neurônios. Nosso cérebro, desde o nascimento, vai aumentando de tamanho radicalmente com a multiplicação das células gliais, ou glia, para os íntimos.
A glia é a célula responsável pela comunicação, sobrevivência e aprendizado dos neurônios, dentre outras.
Os prolongamentos dos neurônios é o axônio, geralmente único, e um ou mais dendritos. O axônio veicula os sinais de saída do neurônio.
E é neste mesmo período que o número de sinapses, a região de contato entre um axônio e outro neurônio, no cérebro aumenta enormemente.
Toda aprendizagem se dá através das sinapses, que são as relações entre as células nervosas. Cérebros se fazem de neurônios, mas neurônios sem comunicação não fazem cérebros em operação. Ou melhor, um cérebro sem conexão é como um computador desligado da bateria. Só enfeite…
Seis dias antes do nascimento, nosso cérebro assim como uma torre de cartas, começa a desmoronar.
É “um suicídio coletivo”, segundo a neurocientista Suzane Herculano-Houzel. A morte celular é programada, quando se acreditava que a eliminação acontecia por competição, mas estudos recentes mostram que é por meio do funcionamento.
Quem não funciona é eliminado. Ou seja, “neurônios que se comunicam, não se trumbicam”, parodiando Chacrinha.
Logo, aprendizagem é reorganizar, eliminar e fortalecer.
Uma outra preciosa informação é que nascem novos neurônios todos os dias!
Por enquanto sabe-se que isso acontece no hipocampo e no bulbo olfatório. E se nascem novos neurônios, aumentam mais ainda as chances de novos aprendizados, certo?
Uma das leis de organização importantes do cérebro é manter e fortalecer o que é usado e deixar sumir o que não é, segundo Cosenza.
Podemos também chamar este processo de lapidação cerebral.
Há, para uma exposição didática, 3 grandes fases desta lapidação. A primeira acontece no nascimento, onde a “pedra bruta” recebe cortes. Quando bebê, há uma diminuição significativa de neurônios. Depois, quando temos por volta dos 5 anos, há uma nova lapidação. E na adolescência, quando, por exemplo, nossa massa cinzenta já chegou ao auge no lobo frontal e só tende a diminuir. No adulto a massa branca que também diminui, mas não na velocidade da outra. A substância branca neste período, por volta dos 14,15 anos, se expande, correspondendo à mielinização das conexões. Só para elucidar, a mielinização é como se fosse uma capa de um fio elétrico. Com quarenta anos é que esta quantidade se reduz significativamente. Lembro aqui que o córtex pré-frontal leva cerca de 30 anos para amadurecer, aliás, uma boa notícia para as/os também “balzaquianos”. Na opinião mais recente da neurociência, o funcionamento adulto do córtex pré-frontal depende de um refinamento das suas conexões, ou seja, da eliminação dos contatos excedentes. Logo, nós, adultos não precisamos nos desesperar uma vez que sabemos que quantidade não é qualidade…
As crianças aprendem mais e mais rápido?
A base do aprendizado é a modificação do cérebro, ou seja, das sinapses.
Na infância, ou seja, nas crianças, as moléculas que fazem as alterações nas sinapses são outras cuja ação é mais rápida e mais fácil.
Também estas possuem um número maior de sinapses como uma pedra bruta que vai sendo esculpida. O processo de aprendizado é também a tarefa da eliminação das sinapses excedentes, ou seja, a “lapidação”.
Para entender e otimizar o aprendizado de modo geral, é essencial que haja a estimulação das sinapses tão cedo e variável quanto possível .
A multiplicidade dos estímulos exteriores determinam qual será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas se comunicarão.
O fluxo das informações que vêm dos sentidos e a interação dinâmica é constante com o meio e são o que determinarão como o cérebro irá se desenvolver, ou seja, o que e como vamos aprender, quais talentos desenvolveremos.
Aí que entra o precioso papel da educação: a didática, a informação e a formação. A educação propicia às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa para desenvolver suas capacidades, seus talentos.
Mas devemos ter em mente o respeito às leis naturais do desenvolvimento. Por exemplo: uma criança de 3 anos não tem condição de enfiar uma linha na agulha, do mesmo modo que esta mesma criança não está pronta para ler e escrever. Não podemos esquecer que o desenvolvimento é um processo global e particular, onde o tempo é uma condição preciosa e inerente.
Este processo acontece de modo conjunto, como numa receita de bolo.
Os ingredientes vão se juntando numa determinada fase, procedimento e tempo. Senão, o bolo pode desandar…
Períodos Sensíveis e Janelas de oportunidades
Lembrando mais uma vez da metáfora da pedra esculpida, todo processo de “lapidação” tem suas fases.
Segundo Jean Piaget, são 4 as fases do desenvolvimento cognitivo (mencionadas anteriormente).
Cada fase corresponde a um processo maturacional, ou ainda, a uma nova configuração da pedra “lapidada”, ou ainda, da arquitetura neuronal.
Retomando o exemplo dado, um bebê não consegue ler do mesmo jeito que uma criança de 2 anos não consegue enfiar uma linha na agulha, pelo menos por enquanto…é que cabe aos educadores o papel de orientar a relação entre conteúdo e continente, assessorar a relação entre o que está aquém ou além do desenvolvimento do aprendiz e promover uma relação harmônica e desafiadora entre o objeto a ser apreendido e as habilidades coletivas e individuais.
Vale diferenciar o que são os períodos sensíveis e as janelas de oportunidade do cérebro. Os primeiros correspondem as fases de maior competência do cérebro para o aprendizado de algumas funções e habilidades. Já as janelas de oportunidade, como toda janela – abre e fecha. A competência visual tem data para acontecer. Se não estimularmos esta função, se por exemplo, uma criança não receber estímulo visual ficará com graves comprometimentos e até pode vir a não enxergar.
Creio que este é um papel também importante dos educadores, pontuar o que é inerente ao neurodesenvolvimento e ajudar a “segurar” a ansiedade e exigências da modernidade que nos faz confundir e atropelar a natureza do principal órgão de aprendizado da criança e do adolescente.
Crescer, maturar e desenvolver, na neurociência educacional, é “disco, ergo sum”ou seja, aprendo logo existo!
Artigo publicado no https://tutores.com.br/blog/neurociencia-educacional/