Autor de ‘The New Childhood’ vai contra a maré e afirma que é mais fácil moldar os hábitos digitais de uma pessoa nessa idade
Conforme publicado no jornal O Globo do último dia 15, Crianças devem ficar íntimas da tecnologia o quanto antes. A afirmação é do filósofo americano Jordan Shapiro, de 42 anos, autor de “The new childhood: raising kids to thrive in a connected world” (“A nova infância: criando filhos para prosperar em um mundo conectado”, em tradução livre). Shapiro, que foi colunista de Educação da revista “Forbes” entre 2012 e 2017, defende que meninos e meninas a partir dos seis e no máximo até oito anos devem ter seu próprio celular e conta ativa em redes sociais, pois assim é mais fácil moldar hábitos digitais saudáveis.
O autor, que critica a visão de boa parte de pediatras e educadores, que consideram a exposição às telas um complicador para o desenvolvimento infantil, conversou com O GLOBO durante a Cúpula para Inovação na Educação (Wise, na sigla em inglês).
O senhor afirma que pais devem estimular seus filhos a explorar a tecnologia desde cedo…
Sim. Eles devem usar junto com seus filhos. Nos EUA, a idade média que as pessoas começam a usar um smartphone é 12 anos. Isso não faz sentido. Deve ser muito mais cedo. Algo como seis a oito.
Por que?
Por que você daria um smartphone pela primeira vez a alguém que está entrando na puberdade? Os hormônios estão gritando. O adolescente está obcecado por imagens do corpo, sexo, status, quem é o mais descolado da turma. Esse é o tempo de se começar a construir sua rede social? Tenho filhos de 12 e 14 anos. Nessa idade, sobre tudo o que eu falo, eles têm certeza de que sabem mais. E isso é normal. Mas, para eles, não tenho qualquer habilidade para corrigi-los, para ajudá-los. Ou seja, não tenho influência em como eles usam os celulares.
E qual a diferença para crianças menores?
Elas querem ser iguais aos pais. Se digo, não jogue esse game porque é estúpido, elas vão acatar. Agora, já adolescentes, eles mandam eu me calar. Você tem que construir esses hábitos desde criança. É muito mais fácil mudar a cabeça de uma criança.
O senhor não vê problema algum na exposição das crianças às telas?
Todas as pesquisas sérias, desde a invenção da TV, mostram que a exposição às telas por si só não causa danos. Médicos tentaram provar que havia (algum tipo de problema) e não conseguiram. A recomendação da OMS para não se dar telas para crianças antes dos dois anos não é porque o tempo na frente da delas é perigoso, e sim porque o mais importante nesta idade é o contato olho no olho, interações entre crianças e adultos, falar com a criança. Isso, de fato, é muito, muito, muito importante para as crianças. E há o medo de que, com o acesso às telas, os pais diminuam o tempo de contato com a criança. Mas a recomendação também assusta, faz com que pais deixem, por exemplo, de colocar um vídeo para a criança ver enquanto ela toma banho. Ora, ela não terá danos cerebrais se assistir a um vídeo por 15 minutos. O que ela não pode é ficar oito horas sem interação com alguém.
O que é esta ‘nova infância’?
Crianças passam hoje muito mais tempo em espaços digitais. Eu cresci com os primeiros videogames, mas aquilo era uma pequena parte da minha vida. Agora, o digital é uma parte enorme das nossas vidas. Estatísticas mostram que crianças já estão passando o mesmo tempo nos celulares em comparação com o que faziam em frente à TV…
E essa é uma boa mudança?
É fato. É um desperdício de energia discutir se é bom ou ruim. A questão agora é saber como poderemos preparar as crianças para lidar melhor com essa realidade. Não vamos nos livrar dos smartphones. Talvez até seja um erro, talvez seja terrível viver num mundo conectado. Mas o gênio está fora da lâmpada. Não dá mais para voltar atrás.
E o que pais e educadores devem fazer?
Parar de perguntar se isso é bom ou não e passar a pesquisar o que importa: há formas melhores de se usar as telas? Qual o impacto do desenvolvimento com o YouTube ou videogames? Há pessoas preocupadas com isso, mas não o suficiente. Passamos décadas estudando os benefícios de se brincar em playgrounds. Mas não passamos o mesmo tempo investigando o espaço digital.
Qual a base do currículo de alfabetização digital que o senhor elaborou?
Pensamos em alfabetização digital como a capacidade de se operar ferramentas. Mas isso é estreito. Alfabetização é você saber refletir sobre a tecnologia que usa, extrair sentido e entendê-la. Quando desenvolvi esse currículo, levei em conta o que as pessoas precisam pensar sobre as ferramentas com as quais elas vão viver. Não apenas em questões de privacidade e bullying digital, o que também é importante. Mas sim pensar se elas estão aptas a viver suas vidas de forma livre e com independência usando ferramentas digitais.
Entender o que são essas ferramentas. Pode dar um exemplo?
Como os algoritmos moldam seus resultados de busca é um exemplo perfeito do que se deve aprender com os pais. Exatamente como pais explicam o que é um comercial de TV, que ali está se vendendo um produto. Ensinar que não é porque você googlou ‘qual é o melhor restaurante’ que o resultado é a resposta real.
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Contra a maioria dos especialistas que condena o uso dos smartphones na infância, o filósofo Jordan Shapiro defende que as crianças devem aprender a usar o celular e as redes sociais desde cedo, considerando que entre 6 e 8 anos é uma idade adequada para que aprendam como lidar com o mundo digital, desenvolvendo critérios e habilidades que poderão protege-los e levar a um uso mais adequado quando forem adolescentes. Mas ressalta que isso somente acontecerá se houver um direto acompanhamento e orientação dos pais para a formação de uma visão crítica do mundo digital. E também se o uso for por tempo adequado e não comprometer outras atividades essenciais.
Vale a pena avaliar seu ponto de vista.
FONTE: Jornal O Globo do dia 05/1/2020