por Adriana Fóz
Frustração, quem nunca? Por sermos humanos, invariavelmente passaremos por frustrações, para crescer, fortalecer e promover a autoestima. Alguns passam tão rápido por este estado emocional que não se incomodam e outros podem ficar atolados como em uma areia movediça.
Este fenômeno cerebral também vai depender do temperamento, personalidade e experiências prévias.
Você já reparou que é mais fácil assumirmos que vivemos ansiedades do que frustrações?
Mas por quê?
Uma das principais razões é pela falta de conhecimento sobre o tema.
Por exemplo, ansiedade já está na “boca do povo”. Encontramos o termo em muitos artigos, livros, debates, falas espontâneas, etc. Hoje em dia as pessoas não se sentem mais intimidadas por assumirem que estão passando por crises de ansiedade, até por ataques de pânico, porém, não foi sempre assim. No entanto, ainda não vemos o mesmo acontecer com o estado emocional da frustração. Raramente ouvimos alguém comentar o quanto se sente frustrado, o quanto está difícil tolerar sua frustração, seja amorosa, com o trabalho, filhos ou outros temas. Portanto, falar sobre o assunto, procurar informações competentes e matérias de fontes sérias, sem fake news, é imprescindível e libertador.
Conhecer sobre o tema também conhecido como sentimento, pode trazer estratégias e recursos para lidar melhor e superar esta sensação tão desagradável e muitas vezes, incapacitante.
É interessante notar que estes mecanismos cerebrais são frutos de anos de epigenética e ontogênese, ou seja, têm sua razão de fazerem parte de nossos processos neurais e consequentemente, comportamentais frutos da relação entre a natureza e o ambiente.
Creio que poderá concordar com meu entendimento e com o que muitos artigos também indicam: o ser humano tem uma tendência a se acomodar, a por exemplo, escolher deitar numa rede sob a sombra de um coqueiro tomando água de coco, à sair em busca de trabalho. Então criar redes neurais que precisam de processos específicos para alcançar a satisfação pode ter sido uma das grandes sacadas na motivação da espécie humana. Por sua vez, necessitar do esforço para produzir neurotransmissores resultando em prazer é uma estratégia louvável para a sobrevivência dos cérebros e consequente da vida humana.
Ainda de acordo com a neurociência, tem-se muito a pesquisar e descobrir sobre os circuitos da frustração. Correlacionada ao sistema de recompensas do cérebro, uma vez que o sentimento/estado emocional acontece quando há bloqueio da conquista ou satisfação, o que gera automaticamente uma alteração química levando à sensação desconfortável. A omissão ou falta da recompensa acarreta um encadeamento de mudanças no comportamento e aprendizado, potencializando processos dos neurônios dopaminérgicos1, além de um efeito emocional no próprio sujeito. A consciência e modulação da expectativa funciona como um termômetro da frustração, onde quanto maior é a expectativa, maior poderá ser a chance de se frustrar.
Interessante notar que pessoas diferem em relação a tolerância à frustração. O tipo de temperamento, por exemplo, pode afetar o padrão de ativação do seu circuito ou redes neurais. O termo temperamento refere-se a características individuais que supostamente têm base biológica ou genética e que determinam as reações afetivas, motoras e de atenção em variadas situações.
Há cerca de 2500 anos, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, classificou o temperamento da espécie humana em quatro tipos básicos: Sanguíneo, típico de pessoas mais ativas, cujo humor varia com certa frequência; Melancólico, característico de pessoas mais tristonhas, “ruminativas” e sonhadoras; Colérico, peculiar de pessoas cujo humor se caracteriza por desejos fortes e sentimentos impulsivos, representado pela bile; Fleumático, encontrado em pessoas mais lentas e apáticas, o que se chamava ter sangue frio. Depois de Hipócrates muitos estudos vieram, mas o coração do conhecimento sobre temperamentos vem deste sábio.
Várias pesquisas foram desenvolvidas desde então e pontuo aqui uma com base nos neurotransmissores, nos processos genéticos, bioquímicos e nervosos, na qual creditando ao cérebro, a explicação para as diferenças de temperamento (ZUCKERMAN, 1991)
No entanto, é importante lembrar que temperamento não é destino. Segundo Trembley e colaboradores5, mesmo que tenham base em processos genéticos e outros processos biológicos, os traços temperamentais são moldados por uma combinação de fatores genéticos e ambientais, tanto no início do desenvolvimento quanto nos anos da infância.
Além do temperamento, também o estresse pode estar intimamente relacionado com o estado frustrante. Em uma pesquisa2, durante a execução de uma tarefa perceptiva bem treinada (leitura em braile), esta mostrou não prejudicar o nível de precisão, mas isso ocorreu a um custo de aumento da ativação cerebral, englobando os gânglios da base, juntamente com a ínsula e os córtices somatossensoriais. As diferenças de temperamento e os níveis de estresse desempenharam um papel significativo no enfrentamento da situação.
Indivíduos com baixa tolerância apresentaram maior ativação no giro cingulado posterior, precuneus e lobo parietal inferior do que no grupo de alta reatividade, segundo a pesquisa de Maria Bierzynska2 e colaboradores.
Nosso corpo e cérebro processam, percebem e lidam com os estados emocionais da ansiedade, que geralmente é correlacionada a eventos futuros, e os estados emocionais da frustração, correlacionada aos eventos do passado. Ambos estados podem ser muito positivos ou muito nocivos à nossa qualidade de vida. Contudo, a despeito de cuidar dos níveis do estresse, investir no autoconhecimento e nas estratégias de manejo da frustração para a sua saúde e de seus pares é salutar.
Sêneca (4 a.C. — 65 d.C.), filósofo romano da antiguidade, nos faz lembrar sempre da inquietude, talvez quem sabe, dos humores que o levaram a um final de vida tão trágica. Ele pontuava que para não se frustrar era importante focar no que depende de você e ter paciência frente aquilo que foge ao nosso controle. Escreveu vários textos tratando de como manejar e lidar com o fracasso para alcançar o sucesso, que ele mesmo perdeu a “fórmula” . A vida deste filósofo foi longa, difícil e com um final trágico. “Político promissor, interrompeu a carreira aos 20 anos por causa de uma tuberculose. Ao se recuperar, foi condenado ao exílio. Estava lá quando um terremoto destruiu Pompeia e um incêndio botou Roma abaixo. Acabou sendo eleito o instrutor do imperador Nero, apenas para ser condenado à morte por seu discípulo — foi orientado a cortar as próprias veias do braço, sob acusação de participar de uma conspiração. Não funcionou. Sêneca, então, tomou veneno. Também não foi eficiente”, resumiu muito bem Thiago Cordeiro. Morreu de desidratação, após se internar em uma casa de aguas quentes, ou o que hoje conhecemos como um local que tem saunas. Mas por incrível que pareça o filósofo não era infeliz ou amargurado, pois sabia que para se sair bem, alcançar sucesso era preciso aprender a lidar com as dificuldades, com os empecilhos inerentes a vida6.
E a felicidade? Seria a ausência de frustrações, dentre outras características? Ou ainda, seria a felicidade o oposto do sentimento frustrante? Será que Sêneca não foi feliz?
Pasmem. A ausência é que traz felicidade. Pode reparar, valorizamos quando não temos ou quando podemos não ter. Logo precisamos não conseguir algo para valorizar quando temos algo. Que incrível este tal de cérebro humano, concorda?
E ser feliz? É um estado passageiro, assim como o desabrochar de uma flor, que no nascimento da planta tem a ideia do florescimento como potencial e que viverá este momento de plenitude em algumas e pontuais situações ao longo da existência.
Assisti recentemente uma palestra do filósofo Mario Sérgio Cortella cujo título era: Felicidade. Segundo ele, quem é feliz o tempo todo é tonto. Não dá para sermos plenos o tempo todo, pois invariavelmente experimentamos falhas e faltas.
Somos seres vulneráveis, frágeis. Somos humanos.
Carlos Drumond de Andrade também deixou seu entendimento, “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Ter motivos, se arriscar, tentar, a despeito do risco de frustrar-se é compreender que o medo, a frustração podem coexistir com a coragem. Basta buscar perceber, identificar e lidar. Basta treinar.
Poder assumir que está frustrado com uma situação, pessoa ou consigo mesmo, desenvolver recursos, forças pessoais- além de buscar compreender a frustração do outro-, são sinais do processo de crescimento, fortalecimento e superação. E por que não, estratégias para a conquista de felicidades?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- 1.ABLER,B., WALTER,H. & ERK.S Neural Correlates of Frustration. NeuroReport,16(7), p.666-72,2005
- BIERZYNSKA M E COLS Efect of frustration on Brain Activation Pattern in Subjectcts with Different Temperament. Front Psychol.2015;6 Published online 2016 Jan 11
PARA SABER MAIS:
- FOZ, A. Frustração. São Paulo: Benvirá,2019.
- YU R., MOBBS D., SEYMOUR B., ROWE J. B., CALDER A. J. The neural signature of escalating frustration in humans. Cortex54 165–178,2014.
- globo.com, 2016. Sêneca tem uma lição sobre como lidar com o fracasso.
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Filosofia/noticia/2016/08/seneca-tem-uma-licao-sobre-como-lidar-com-o-fracasso.html - Temperament: Synthesis. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Rothbart MK, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development[online]. http://www.child-encyclopedia.com/temperament/synthesis. Updated June 2012. Accessed February 10, 2020.
(ZUCKERMAN, 1991)
- Sêneca,LA. Sobre a brevidade da vida. L&PM Pocket Plus,2006.