Volta às aulas, as perdas e os ganhos na pandemia – crianças pré-escolares

Volta às aulas, as perdas e os ganhos na pandemia – crianças pré-escolares

Por Adriana Fóz

 

São muitos os pais que estão inseguros quanto ao o que decidir com relação a volta às aulas.

É seguro retomar as aulas presenciais? As crianças vão perder habilidades e competências se não retornarem às aulas? Há pesquisas comprovando o que deve ser feito?

Tenho recebido perguntas e relatos angustiados de pais e professores alegando medo do contágio, mas também da perda de aprendizagem dos filhos e alunos, neste segundo semestre de 2020.

Alguns fatos precisam ser colocados: embora haja divergências em relação ao grau em que as crianças apresentam risco de propagação algumas estimativas sugerem que os efeitos das crianças na escola são mínimos em comparação com outros esforços de distanciamento social, assim como mediante o fechamento das instituições serão impedidos de 2 a 4% das mortes, segundo matéria no The Washington Post, neste último dia 30 de junho. Ainda segundo a mesma fonte, “há também indicações de que as crianças têm metade da probabilidade de se infectarem do que os adultos e têm muito menos probabilidade de espalhar o novo coronavírus do que os adultos. As crianças que são infectadas têm um risco muito baixo de morbidade e mortalidade significativas por infecção. Estudos mostram que crianças são mais saudáveis ao voltarem para as escolas”, pontua estudo no qual o jornal americano se baseou.

Lendo também o que grandes especialistas britânicos e americanos têm discutido – já que eles estão um pouco a frente nas experiências com relação ao vírus Covid-19, temos que ter em mente de que alunos estamos falando.  É ainda mais notório aqui no Brasil, o fato de que devemos considerar dois grupos para responder à estas perguntas. Um dos grupos é constituído de alunos privilegiados socialmente e financeiramente e o outro são os alunos vulneráveis e filhos de pais com baixa renda.

Quanto ao primeiro grupo, na pior das hipóteses, alguns estudantes poderão regredir um pouco mais do que durante as férias escolares normais, já que não terão a oportunidade de atividades intelectualmente estimulantes, como aulas de teatro, viagens ao museu e bibliotecas, acampamentos, maiores contatos com colegas e professores, porém provavelmente terão compensações com os estímulos familiares, com os recursos, cultura e conhecimentos prévios de seus pais e cuidadores.

Para estas famílias sugiro que leve em consideração suas necessidade e possibilidades individuais. Por exemplo, o caso de uma menina de 5 anos, Tamires, que mora com sua mãe, pois seus pais são separados. A mãe precisa retornar ao trabalho e está muito insegura e estressada com o fato da criança ter que ir morar com o pai fora de São Paulo, caso ela não consiga mudar as condições de seu trabalho. Seus pais, avós de sua filha estão em seu respectivo apartamento e têm mais de 70 anos de idade, o que não seria uma possibilidade para eles. Talvez para esta mãe levar sua filha meio período possa ser uma possibilidade.

Algumas Pré-escolas estão propiciando um espaço e condições bastante acolhedoras e protetivas, mas claro que toda exposição sempre tem riscos. Se essa fora a escolha ou a escolha menos ruim, também não elimina o fato dos cuidados continuarem, tanto para continuar a exigir devidas ações protetivas por parte da escola (como descrito mais adiante) quanto dela mesma, por ter que se sair de casa por meio período.

Um outro caso, os pais de Camila, 4 anos têm outros dois bebês, gêmeos. O pai precisa de muita concentração no trabalho remoto em casa e a mãe está absorvida com os cuidados maternais de crianças de colo. O que fazer, manter Camila em casa, o pai a beira de um ataque de nervos e a mãe que ainda amamenta, ter que entreter e dar conta de 3 crianças? Medo de separar do marido, medo de o marido ser despedido se não prosperar seus negócios, medo de sua filha mais velha não ser devidamente estimulada para uma melhor aprendizagem. Qual é então o risco maior?

Veja que mesmo nesta equação ainda tem outros pontos a serem computados, mas para este casal a decisão foi levar a filha 3 vezes na semana para a escola e montaram, junto a outras 3 mães e pais do condomínio, um sistema de entretenimento e cuidados na casa de um deles (e aproveitando o espaço ao ar livre do prédio), onde os pais se revezariam para cuidar das 6 crianças. Felipe, também 5 anos, com 2 irmãos mais velhos, tem características bastante hiperativas, seu pai fora diagnosticado com déficit de atenção aos 15 anos. Estas informações levaram os pais  optarem pelo filho caçula voltar a escola.

Quanto ao segundo grupo, das crianças mais vulneráveis socialmente, as perdas são maiores para as famílias como um todo, já que seus pais têm menos condições de criar uma estrutura que continue a estimular seus filhos de modo mais adequado. Sem falar do aspecto insegurança doméstica, dos quais estas crianças estão mais suscetíveis – uma vez que dados apontam para a maior violência recair sobre esta população.

Opções e soluções sempre existem, tudo depende das nossas prioridades, acesso a informações competentes e adequação da régua das expectativas e das necessidades será preciso em qualquer das possibilidades. E em todas essas possibilidades a solidariedade, empatia e generosidade são imperativas para que todos, não apenas sua família, se fortaleçam e se protejam. Se tivemos um aprendizado, este foi que não adianta pensarmos apenas em nosso “umbigo”.  Inclusive segundo Yuval Harari, autor de Sapiens, que esta pandemia deve ter alguns aprendizados, assim como o mundo só prosperará se não apenas eu, você ou o outro estiverem bem, mas todos, pois segundo ele vivemos mais uma crise humana do que por um vírus.

 

Quais são as necessidades das crianças com menos de 6 anos?

A criança pré-escolar precisa de afeto, estímulos sensoriais, motores, verbais, sociais e segurança que podem ser feitos em formatos diversos, além da escola formal. Diferentemente das crianças mais velhas, entre 6 e 12 anos, que precisam de ações mais estruturadas e específicas para uma aprendizagem mais competente.

Pesquisas americanas apontam que a perda de aprendizado durante as férias de verão nos EUA depende do histórico da criança. Algumas destas descobriram que crianças mais ricas realmente melhoram seu desempenho de leitura ao longo do período, enquanto são as famílias mais pobres que tendem a apresentar maiores perdas, uma vez que possuem menos recursos educacionais durante as férias. Recursos são os cuidados, as interações, as opções de estimulação e a afetividade inerente a qualquer processo de amadurecimento e desenvolvimento saudável.

Estudos também mostram que a educação em casa também pressupõe que os próprios pais sejam suficientemente educados e tenham tempo suficiente para poderem ajudar nas lições. Tempo com qualidade, desafios apropriados e competentes fazem diferença.

A criança da primeira infância (3 aos 6 anos aproximadamente) fazem parte de períodos chamados de pré-operatório e operatório concreto onde a brincadeira, as experiências físicas e emocionais, a sociabilidade, segundo o importante psicólogo Jean Piaget.  Para o neurocientista contemporâneo Richard Davidson é uma fase onde o cultivo da empatia e criatividade são facilitados e evidenciados. A própria neurociência cognitiva reconfirma a relevância deste período para atividades de coordenação e estimulação motora, reconhecimento de emoções, sensibilização para música. Esta fase é a sede do entusiasmo e curiosidade, logo todo ambiente educativo que promover estas duas palavrinhas está cumprindo um de seus papéis.

 

O que é mandatória para aqueles que retornarem às escolas?

Quanto a aspectos ligados a saúde pública, de acordo com a Unicef, algumas medidas devem ser garantidas caso seu filho retorne à escola que são:

  • Escalonar o início e o fim do dia escolar
  • Horas de refeição escalonadas
  • Movendo as aulas para espaços temporários ou ao ar livre
  • Manter a escola em turnos, para reduzir o tamanho da turma

 

As instalações de água e higiene já estão bem difundidas, mas não podemos esquecer de checar se estão de acordo ou se “é para inglês ver”. Não menos importantes são as medidas de higiene, incluindo lavagem das mãos, etiqueta respiratória (tosse e espirros no cotovelo), medidas físicas de distanciamento, procedimentos de limpeza de instalações e práticas seguras de preparação de alimentos. A equipe administrativa e os professores também devem ser treinados sobre distanciamento físico e práticas de higiene escolar, ainda segundo a Unicef. Para tanto observe pessoalmente e faça mais perguntas do que exponha seus desejos e expectativas. As respostas das escolas é que lhe farão seguros e sentirão que todos estarão colaborando para um mesmo fim. Afinal as famílias também tem seus deveres e responsabilidades para com as escolas.

Uma outra medida tão importante quanto é como a escola apoiará a saúde mental dos alunos e combaterá qualquer estigma contra pessoas que estão com problemas de saúde (doença) ou financeiros. Ainda que a pré-escola não tenha o ensino formal ou notas e avaliações protocolares é preciso fazer, no mínimo, relatórios e observações individualizadas e comparativas e ficar atenta a possíveis necessidades tanto do ponto de vista do aprendizado de habilidades quanto de dificuldades relacionadas a saúde mental, assim como uma maior ansiedade, dificuldades repetitivas em lidar com frustrações, e um estresse que dure no tempo e na intensidade. A escola não deve ser responsável por diagnosticar, tampouco por tratar, mas a acuidade e pertinência em observar, relatar aos pais ou responsáveis e poder encaminhar é fundamental.

Já não é de hoje que sabemos o quanto um ambiente escolar pode ser promotor da saúde mental de seus alunos, além de seu principal papel como ser educador de habilidades cognitivas e socioemocionais.

Caso ainda tenham dúvidas, eu ou especialistas da Neuroconecte estamos prontos à lhes ajudar, entre em contato conosco.

 

Fontes:

https://www.washingtonpost.com/outlook/2020/06/30/reopen-school-fall-health/

https://www.unicef.org/coronavirus/what-will-return-school-during-covid-19-pandemic-look

https://www.sciencemag.org/news/2020/05/should-schools-reopen-kids-role-pandemic-still-mystery

Você fala sozinho? Isto é um problema?

Você fala sozinho? Isto é um problema?

Por Adriana Fóz

 

Quando me convidaram para uma entrevista sobre o tema Falar em voz alta consigo mesmo, achei curioso no entanto muito interessante. Principalmente agora, em tempos de pandemia onde muitos podem ter ficado mais isolados, mais sozinhos ou ainda diminuído muito o convívio com amigos, familiares e colegas, nossa natureza humana “fala mais alto”. Logo podemos ter aumentado aquela conversa interna e ainda passamos a criar mais conversas conosco em voz alta.

Estou ficando maluco? De modo geral falar consigo mesmo pode até ser loucura, mas aquela das mentes geniais. Tem estudos que mostram o quanto a genialidade precisa de uma personalidade com menos freios, maior expansividade e falar em voz alta é uma das características das mentes sem fronteiras.

Por outro lado, podemos entender a fala como um instrumento para adaptação e competência em prol da evolução das espécies, onde nosso cérebro aperfeiçoou a capacidade de comunicação visando a sobrevivência. Sim, é coisa de humanos, mais especificamente da área neocórtex de nosso cérebro. Esta região cerebral insere o giro frontal inferior esquerdo ou ainda, a área de Broca, cuja função é o aspecto motor de falar para que outros locais complementem,  produzindo a fala. Temos ainda áreas cerebrais para ver, ouvir, movimentar, andar, além de outros “apetrechos” físicos, cognitivos, psicológicos que nos propiciam e habilitam a falar.

Desde bebês treinamos várias habilidades para falar. Imitamos, gesticulamos e buscamos nos conectar ao mesmo tempo que o adulto atribui significado e passa a ser modelo para o desenvolvimento da linguagem. A linguagem tem uma relação intrínseca com a inteligência, que passa de sensório-motora ao pensamento formal onde esta primeira tem um papel crucial.  A criança aprende o mundo por meio das sensações, percepções, atividades motoras, emoções, interação, comunicação dentre outros. A fala é uma forma de interação que conta com a construção da linguagem e busca de significados.

O tema da linguagem junto aos processos cognitivos e emocionais é grandioso e complexo demais para tratarmos aqui neste breve texto, mas é  importante indicar que a linguagem falada é uma necessidade humana e faz parte de várias competências.

Quando falamos sozinhos estamos então exercitando  nossas habilidades verbais, inter e intrapessoais, no mínimo. Também pode ajudar na atenção, concentração de atividades e facilita a organização dos pensamentos e sentimentos.

Falar sozinho traz maior clareza dos pensamentos, motiva a encontrar o que busca, ajuda a aprender mais rápido e melhor.

Logo, a maioria das pessoas que falam sozinhas são saudáveis. A exceção é quando a pessoa não percebe sua fala ou não entende o que fala, por exemplo.  Assim como quando crianças e adolescentes, continuam por um tempo maior, a ter amigos imaginários, interagindo com eles ou quando demoram muito tempo a falar, se comunicar, pois são situações que podem indicar uma dificuldade e até um distúrbio psiquiátrico. Mas reafirmo, a grande maioria da população  só tem vantagens com este diálogo interior externalizado, principalmente quando estamos com raiva. Imaginem bater a perna na quina da mesa e não falar consigo:

  • Que M! De novo, não acredito que estou fazendo isso, batendo nesta quina novamente!

As chances de bater a perna no mesmo lugar vão diminuir, pode apostar!

Para saber mais: procurar pelos pesquisadores Alexander Luria, Jean Piaget, Lev Vygotsky.

 

Para encontrar artigos mais recentes sobre o tema:

DeSouza, M. L., DaSilveira, A. C., & Gomes, W. Verbalized inner speech and the expressiveness of selfconsciousness. Qualitative Research in Psychology, 2008.

Gary Lupyan A. & Daniel Swingley B.A. Self-directed speech affects visual search performance Department of Psychology, University of Wisconsin-Madison, WI, USA, 2011: http://dx.doi.org/10.1080/17470218.2011.647039

Eu falo muito sozinha e me preocupo com isto

“Meu pai tem falado sozinho e às vezes não sei se ele está tendo controle sobre seu pensamento”

“Meu filho tem 12 anos e tem 2 amigos imaginários com os quais interage e tem deixado de brincar com outros amigos por conta destes”

Dúvidas sobre seus filhos, seus pais ou sobre você: contato@neuroconecte.com

adrianafoz@neuroconecte.com

alcionemarques@neuroconecte.com

 

 

 

 

A pandemia e a paciência na adolescência

A pandemia e a paciência na adolescência

Por Adriana Fóz

 

A pandemia do Covid-19 tem mostrado muitas mazelas e dificuldades que já existiam antes do novo coronavírus. O comportamento de risco do adolescente ou a vulnerabilidade destes para problemas de saúde mental e para acidentes já eram conhecidos, mas agora torna-se evidente que os jovens acabam se expondo mais, não por não compreenderem a gravidade ou por falta de competência para entendimento de situações, mas sim por acharem que estão imunes, por acreditarem que são mais fortes ou acharem que as noticias podem ser alarmistas, ou ainda que seus pais estão exagerando, dentre outros. Estas foram algumas das falas de jovens entre 16 e 19 anos explicando porque não estavam de máscara ou porque estavam participando de baladas nos últimos meses.

Testemunhamos durante o auge da pandemia a volta das festas, das raves embora alguns grupos nem interromperam a ocorrência das aglomerações festivas. Os adolescentes, de modo geral, não levam a sério alguns riscos pois seus cérebro estão ávidos por desafios. Risco traz excitação, adrenalina do perigo, a dopamina (neurotransmissor) do prazer e testa competências desafiando suas habilidades.

Como alegam alguns pesquisadores, os adolescentes têm um carro super potente, tanque cheio, mas freios ainda em acabamento. Logo eles tem muita energia, são ágeis, rápidos, aprendem tudo com muita facilidade porém seus autocontroles ainda precisam de treino para se tornarem mais adequados às situações de perigo. Desta forma eles  não estão tão bons na tomada de decisões, mediante uma situação  geradora de riscos, suas atitudes são ainda muito baseadas nas emoções, no imediatismo.

A responsabilidade de algumas atitudes e pensamentos imaturos como participar de uma rave sem usar máscaras ou qualquer outra medida de segurança, higiene ou distanciamento social é do córtex pré-frontal de seus cérebros.

O cérebro tem regiões que vão sendo amadurecidas com o tempo e com os estímulos do ambiente, na conexão com outros indivíduos e na inter-relação com seus aprendizados. No caso do jovem adulto que já atingiu a maturidade legal (aquele que já pode tirar carta de motorista, responder na justiça, etc.), mas não tem ainda maturidade cerebral. Isso significa que algumas funções refinadas para determinados comportamentos e tomadas de decisão ainda não foram finalizadas.

O ser humano tem um cérebro que amadurece desde quando somos bebês e da região posterior em direção a região anterior, ou ainda, de traz para frente, onde a parte chamada córtex pré-frontal é a última a ser finalizada. No córtex pré- frontal, está sede do julgamento, autocontrole, tomada de decisão responsável, da capacidade ser mais flexível para ver vários ângulos de uma situação. É importante entender que aqui falo da maturação de um órgão do corpo humano, que por meio dos estudos da neurociência, sabemos que se dá para além dos 18 anos.

Lembro aqui da diferença entre puberdade e adolescência. A primeira tem a ver com os hormônios, com o desenvolvimento do corpo voltado para o preparo da reprodução, a priori. A adolescência é mais voltada para as mudanças no cérebro, onde os neurotransmissores e a conectividade entre os neurônios são os grandes protagonistas de tantas transformações.

A puberdade diferentemente da adolescência é mais visível e tem um tempo mais demarcado pela biologia, onde nas meninas ocorre entre 10 e 14 anos e nos meninos entre 12 e 15 anos. Existem três fases da adolescência — a adolescência inicial, que vai dos 12 ao 14 anos; a adolescência intermediária, dos 15 ao 17 anos; e adolescência final, dos 18 anos em diante. A puberdade sempre antecede a adolescência, tem um tempo mais pré-determinado do que as mudanças no comportamento, fase que deixa o cérebro adolescente mais vulnerável à problemas de saúde mental, tal como transtornos e doenças mentais.

Portanto, é importante que pais, escolas e serviços de saúde e educação criem estratégias, desenvolvam programas de sensibilização e prevenção do Covid-19 voltados para esta população, que diferentemente do que eles querem pensar, também são grupo de risco.

Por outro lado, ao mesmo tempo que são arrojados, destemidos e arriscam burlar regras também são mais capazes de empatizar com aqueles que sofrem, que têm medo e que são menos favorecidos. Gostam e são sensibilizados por causas sociais e têm necessidade de se conectarem com outros, e relembro, aprendem tudo muito rápido.

Ajudá-lo a treinar a paciência, a perseverança são oportunidades em tempos de pandemia e para treinos de maturidade e autonomia.

Para pais, adolescentes e escolas que queiram saber mais sobre como sensibilizar o jovem e como fazê-lo participar ativamente das causas sociais e da prevenção do covid-19, bem como da promoção da saúde mental e emocional, convido a conectar com a equipe neuroconecte formada por especialistas multidisciplinares com mais de 20 anos de experiência.

 

Para saber mais:

HERCULANO-HOUZEL, S. O Cérebro Adolescente – A neurociência da transformação da criança em adulto. Academia.Edu, 2011.
disponível em:
https://www.academia.edu/39033029/Suzana_Herculano-Houzel_2

VAN LEIJENHORST et al. Adolescent riscky decision making: Neurocognitive development of reward and control regions. Neuroimage vol. 51, issue1, pgs 345-355, 2010

 

 

 

Expectativas Frustradas

Expectativas Frustradas

As coisas podem não sair como você espera. O segredo é aprender a lidar.

por Gisele Bortoleto para o DIÁRIO DA REGIÃO (SÃO JOSÉ DO RIO PRETO)

 

Não importa a situação. Corriqueira ou extraordinária, praticamente não há um dia em que não nos defrontemos com situações que podem gerar frustração. O e-mail que não recebeu, o filme que queria ter assistido, mas faltou tempo; a noite mal dormida e assim por diante. Esse sentimento é quase intrínseco à condição do ser humano, sobretudo do homem contemporâneo.

Frustração, diz a neurocientista e psicopedagoga Adriana Fóz, é o sentimento que nos acomete quando não conseguimos realizar um desejo, uma vontade ou uma necessidade. É a reação a uma expectativa não correspondida. “É uma sensação, um pensamento, um estado interior que reflete a não-conquista. É quando nos sentimos mal por não ter alcançado algo em que colocamos algum empenho ou que fazia parte do que entendíamos como natural”, afirma. Ela é autora do livro “Frustração Como treinar suas competências emocionais para enfrentar os desafios da vida pessoal e profissional”, (ed. Benvirá).

“Expectativas geram frustrações”. Quem nunca escutou ou até mesmo repetiu essa frase? Provavelmente todas as pessoas que já passaram por uma decepção. No entanto, quando a tristeza se torna falta de esperança é preciso reverter a situação”, explica a escritora Andreza Carício, autora do livro “Todo Santo Dia”, especialista em comportamento humano. Segundo ela, esperar é natural, mas na verdade o sentimento na maioria das vezes não é pelo outro e, sim, por você. “As pessoas tendem a cobrar muito de si mesmas; geralmente criam roteiros de como querem que as coisas aconteçam. E quando a história não sai como o esperado, culpam o outro, o acaso, o destino, a vida”, diz ainda.

Existe equilíbrio? É possível sonhar sem se frustrar? A resposta é, sim.

Compreensão: Entenda que ninguém é obrigado a sonhar o que você quer. Conexão é muito importante em relações interpessoais, principalmente as amorosas, mas ainda assim não há obrigatoriedade. Por vezes, inconscientemente nosso egocentrismo nos faz crer que as pessoas têm de estar disponíveis para nossas vontades, mas não é verdade. Aprenda a esperar.

Jamais desacredite: Frustrações fazem parte da vida e aprender a lidar com elas é uma das lições mais importantes. Lembre-se que as coisas em sua vida dependem exclusivamente de você, mesmo quando as ações partem de outras pessoas, sua resposta será determinante para o resultado final. Reação é diferente de resposta. Para responder é preciso pensar, avaliar.

Depressão deve ser prevenida desde a infância

Depressão deve ser prevenida desde a infância

Elton Alisson  |  Agência FAPESP

 

Considerada o mal do século pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão já desponta como a terceira maior doença entre adolescentes e é a segunda principal causa de morte de jovens entre 15 e 25 anos no mundo.

A fim de prevenir o desenvolvimento desse transtorno mental nessa fase da vida é preciso dotar as crianças de habilidades socioemocionais para que sejam capazes, desde cedo, de lidar melhor com emoções e situações de estresse que possam desencadear a doença no futuro.

A avaliação foi feita por especialistas participantes do programa  sobre depressão em jovens e adolescentes, exibido em 6 de novembro a partir do auditório da FAPESP. Realizado mensalmente, o programa é produzido pela FAPESP em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.

“Se desde crianças as pessoas forem capazes de processar, entender e compreender melhor emoções, como tristeza, raiva e medo, elas terão muito mais clareza e condições para lidar com elas e, provavelmente, serão menos afetadas pelo estresse e outros sentimentos”, disse Adriana Fóz, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em participação por vídeo.

De acordo com , professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a maioria dos casos de depressão e de outros transtornos mentais começa na puberdade, provavelmente por influência dos hormônios sexuais. Segundo ele, nessa fase da vida, o número de casos de depressão aumenta substancialmente, principalmente entre meninas.

“Essa diferença de casos de depressão entre os sexos se mantém ao longo da vida. Já em crianças, a prevalência de depressão está em torno de 1%”, comparou Polanczyk, que coordena o Núcleo de Pesquisa em Neurodesenvolvimento e Saúde Mental da USP e é chefe da Unidade de Internação do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da mesma universidade.

Em adolescentes, os sintomas de depressão mais comuns são alteração de humor, caracterizada por predomínio de tristeza, melancolia e irritabilidade, juntamente com a perda de entusiasmo por atividades que despertavam interesse e prazer, além de mudanças nos padrões de sono e de apetite, maior sensação de cansaço e a persistência de pensamentos negativos sobre si e em relação ao futuro.

A existência desses sintomas por um período maior do que duas semanas e referências à morte e ao suicídio são sinais de alerta do desenvolvimento de uma quadro de depressão, que pode ocorrer uma única vez ou se repetir ao longo do tempo e resultar em um transtorno depressivo, explicaram os especialistas.

“Esse conjunto de sintomas não necessariamente implica um quadro de depressão, mas é um sinal de alerta”, ponderou Polanczyk.

O desconhecimento sobre saúde mental, a fantasia de que adolescência e juventude são períodos excelentes da vida e, portanto, não é possível estar deprimido nelas, além da opinião deturpada de que a depressão é sinônimo de fraqueza, dificultam o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento da doença, apontaram os participantes.

“A depressão é uma vulnerabilidade que algumas pessoas apresentam em razão de um desequilíbrio neuroquímico e que precisa ser identificada e tratada. Quanto menor o tempo em que isso for feito, melhor para o paciente, que terá menos complicações ao longo da vida”, disse , professora de Psiquiatria da Infância e Adolescência no Departamento de Psiquiatria da FMUSP. A pesquisadora é responsável pela execução da orientação acadêmica do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência e pela residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência no Instituto de Psiquiatria da FMUSP.

Papel da escola

Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de depressão e outros transtornos mentais em adolescentes são a exposição ao bullying – atos reiterados de intimidação e violência física ou psicológica –, a exposição a maus-tratos e situações de violência na comunidade, além do uso de drogas.

Um dos fatores mais importantes, contudo, é a sensação de rejeição ou exclusão social, ressaltaram os pesquisadores. Alguns estudos mostraram que a sensação de solidão tem um impacto importante nos jovens e contribui para aumentar o risco de desenvolvimento de problemas de saúde mental, destacou Polanczyk.

“O adolescente, em razão de todos os processos pelos quais passa durante essa fase da vida, precisa de um grupo para se identificar e se sentir pertencente. Ele é muito mais sensível às rejeições sociais do que o adulto e a criança”, disse.

Uma vez que a escola é reconhecida como um espaço de aprendizado coletivo, além de um lugar tradicional de acolhimento, essa instituição pode exercer um papel importante para ajudar crianças e adolescentes a desenvolver habilidades emocionais, indicaram os participantes do evento.

“A aposta de ter uma escola para todos impõe para a própria instituição e para todo mundo uma experiência de convivência de lidar com as intolerâncias e com certos processos de exclusão que acontecem ali. A escola é um campo riquíssimo para acolher e criar espaços de convívio”, disse , professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Algumas das formas como a escola pode contribuir para a prevenção da depressão em adolescentes é falar mais abertamente sobre esse e outros problemas de saúde mental, desenvolver habilidades de mediação de conflitos para manejar o estresse e fortalecer os laços de convívio. É também fundamental combater fatores de risco, como o bullying físico e o virtual – nas redes sociais –, e saber identificar os sinais de instauração de um quadro de depressão.

“A escola não é o lugar para se fazer o diagnóstico de casos de depressão em adolescentes, mas o professor pode identificar um aluno que está tendo alguma dificuldade e indicar uma avaliação por um especialista”, disse Scivoletto.

Os professores, porém, precisam de apoio, em termos de desenvolvimento de competências para discutir sobre depressão em sala de aula, e outros atores importantes, como a família e a comunidade, precisam participar desse diálogo, ponderou Vicentin.

“O que a gente sabe é que o suporte, em termos de desenvolvimento de habilidades socioemocionais, e a provisão de uma estrutura de apoio pela família e, de uma maneira mais ampliada, pela comunidade são fatores importantes de promoção de resiliência pelos adolescentes para enfrentar situações difíceis e lidar com o estresse”, disse Scivoletto.

“Sem esse apoio, o adolescente vai se sentindo sozinho para enfrentar uma situação difícil e isso pode gerar uma situação de desespero e, naquele momento, ele tomar uma atitude que pode ser definitiva em uma situação que era momentânea”, explicou.

 

Fonte: Matéria publicada originalmente no site Rede Notícia  https://www.redenoticia.com.br/noticia/2020/depressao-deve-ser-prevenida-a-partir-da-infancia-avaliam-especialistas/159181

Ansiedade, medo e exaustão: como a quarentena está abalando a saúde mental dos educadores

Ansiedade, medo e exaustão: como a quarentena está abalando a saúde mental dos educadores

As rápidas mudanças, alto nível de cobranças, frustrações diárias e dificuldades técnicas durante o ensino remoto comprometem o psicológico dos educadores brasileiros

POR: 

Paula Salas

As fotos desta reportagem foram tiradas remotamente pelo celular da professora Eliane Souza a partir da mediação da fotógrafa Tainá Frota.

Como muitos professores, a professora Eliane sentiu os efeitos da pandemia em sua saúde mental. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA.

“Ficamos muito fragilizados. Não temos culpa, não tem como culpar alguém por uma pandemia, mas parece que absorvemos essa responsabilidade e culpa”, desabafa Eliane Souza, professora da rede pública do Rio de Janeiro. “Temos que lutar o tempo inteiro”, afirma.  O excesso de trabalho, o agravamento do estresse, ansiedade, insônia e outros sintomas relacionados com a saúde mental são relatos comuns entre os professores durante a pandemia da covid-19.

Entre 16 e 28 de maio, NOVA ESCOLA realizou a pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”*, que contou com mais de 8,1 mil respondentes da Educação Básica. Destes, apenas 8% declararam se sentir ótimos ao comparar sua saúde emocional com o período pré-pandemia. Outros 28% a consideraram péssima ou ruim neste momento e 30% classificam como razoável. Nos comentários, entre os termos mais utilizados pelos professores para descrever a situação aparecem ansiedade, cansaço, estresse, preocupação, insegurança, medo, cobrança e angústia.

Frustrações diárias


A turma de Eliane é do 3º ano do Ensino Médio, na rede estadual do Rio de Janeiro, está com aulas on-line pela plataforma do Google Classroom (Google Sala de Aula). Como a maior parte dos professores que responderam à pesquisa, uma das dificuldades enfrentadas por ela durante a pandemia é a falta de acesso ou o acesso limitado dos alunos à tecnologia e à internet. Para tentar contornar a situação, a professora disponibiliza conteúdos leves e acessíveis para que eles tenham poucas dúvidas. No entanto, o sentimento é de não estar atingindo os objetivos. “A gente não consegue ter um retorno, porque poucas pessoas conseguem acessar. Eu fico frustrada, porque é obrigatório colocar conteúdo [no Google Classroom] e o aluno não acessa por diferentes motivos. Para que estou trabalhando?”, questiona Eliane.

Apesar dos esforços para dar aula on-line, a professora frustra-se pela dificuldade de acesso dos alunos. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Mas, o que é frustração? Ela está relacionada com uma expectativa não correspondida. “É o sentimento que nos acomete quando não conseguimos realizar um desejo, uma vontade ou uma necessidade […] É uma sensação, um pensamento, um estado interior que reflete a não conquista. É quando nos sentimos mal por não ter alcançado algo em que colocamos algum empenho […] a frustração tem a ver com o que esperamos das pessoas e das situações”, indica o livro Frustração: como treinar suas competências emocionais para enfrentar desafios da vida pessoal e profissional, de Adriana Fóz. Essa descrição te pareceu familiar? Pode ser o sentimento que vem quando aquela atividade que você gastou horas planejando não dá certo, ou quando você se aventura para utilizar uma nova ferramenta digital e os alunos não têm acesso a internet para consumir aquele material.

Eliane já tem um histórico com ansiedade e havia passado por um acompanhamento médico e psicológico. “Era uma coisa que eu achava que estava controlada”, afirma. No entanto, a pandemia chegou e velhos sintomas voltaram: falta de ar, tristeza, insônia e dificuldade de respirar.

A professora não está sozinha nessa luta. Em contextos diferentes, o peso da pandemia dá sua forma. Nesta reportagem, você vai conhecer as histórias de Eliane Souza, Ana Ericka Pereira e Maria Aparecida**, entender quais são os sinais de atenção e as dicas para cuidar da saúde mental durante a quarentena.

Crises que retornam


Como muitos educadores no Brasil, a professora Eliane Souza tem dois vínculos: na rede estadual do Rio de Janeiro leciona Língua Portuguesa para o 3º ano do Ensino Médio. Na rede municipal de Nova Iguaçu (RJ) dá aula para o 3º ano do Fundamental.  “Eu sempre fui muito acelerada. Tento me colocar no lugar do outro. Gosto de dar conta de tudo, de resolver tudo. E isso é muito perigoso”.

Com seus 3º anos, a professora vive duas realidades diferentes. Enquanto os mais velhos utilizam a plataforma do Google Sala de Aula com dificuldades de acesso, o contato com os alunos do Fundamental é mediado pela gestão da escola sendo os pais e responsáveis o ponto de contato. Não há comunicação direta entre professor e aluno. Além dos conteúdos, Eliane sempre reserva um espaço nas propostas para trabalhar o emocional dos alunos.

Durante o isolamento social, a professora Eliane identificou que antigos sintomas de ansiedade voltaram, mas ela sente que hoje consegue lidar melhor. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Para Eliane, sua história com a frustração e a sobrecarga não é exclusiva da pandemia. Desde que começou em sala de aula, há 12 anos, ela vivencia esses sentimentos. “Eu gosto do meu trabalho, mas existe uma dificuldade grande que não somos preparados. Não vamos conseguir dar conta de tudo“, diz. Ela conta que se sentia culpada e frustrada quando seus alunos não conseguiam aprender ou não se engajavam. Buscando melhorar e resolver esses problemas, a professora fez cursos, estudou e foi atrás de especialização. “Eu acreditava que eram minhas falhas. Me sentia muito ansiosa e irritada com tudo. Achava que a sobrecarga ia passar, mas eu não conseguia dormir, dormia meia hora por noite”.

AFINAL DE CONTAS, O QUE É ESTRESSE?

Quem nunca se sentiu estressado com o dia a dia no trabalho, em casa ou em uma situação pontual? Mas, afinal, que sentimento é esse, tão comum à humanidade nos dias atuais? Marilda Lipp, cientista, psicóloga e diretora fundadora do Centro Psicológico de Controle do Stress, o define como uma reação complexa com componentes físicos, psicológicos, mentais e hormonais frente a uma situação que demanda uma adaptação ou ameaça a estabilidade mental ou física da pessoa.

O estresse está associado à percepção que a pessoa tem diante de um determinado problema. “Quando você percebe que será necessário um esforço grande para conseguir lidar [com determinada situação], você pode entrar em um processo de estresse. Se percebe que vai dar conta, não entra”, explica Marilda.

Por si só, o estresse não é uma doença. O problema está na persistência e agravamento dele, pois pode desencadear doenças físicas e psicológicas. Entre os problemas mais comuns estão: gastrite, problemas respiratórios, doenças dermatológicas, aumento da pressão arterial, aumento da ansiedade, crises de pânico e depressão. “O estresse fragiliza a pessoa, e a ansiedade e depressão começam a surgir. No momento de um grande estresse, essas patologias acordam”, explica Marilda.

Os anos passaram e aqueles sentimentos se acumularam. “Há três anos, tive uma crise que me deixou paralisada”, conta. Passava mal durante a aula e não conseguia respirar. No entanto, quando fazia exames médicos nenhum justificava aqueles sintomas. “O meu médico me perguntou como eu estava. Eu comecei a chorar e não conseguia parar”, conta. Ele a encaminhou para outro especialista, foi quando Eliane foi diagnosticada com um quadro sério de ansiedade e ficou três meses afastada da escola.

Atualmente, ela não está utilizando medicação ou fazendo um acompanhamento médico. “Não me adaptei com a terapia on-line”, confessa. Hoje, ela percebe que tem estratégias para conseguir lidar com as dificuldades. Apesar da volta dos sintomas, ela se sente bem. “Até o momento tinha conseguido lidar bem. Começou a voltar, mas não está tão ruim como antes”, afirma. Eliane reconhece quando a ansiedade está chegando e utiliza de estratégias como meditação e exercícios de respiração para evitar que que o sentimento evolua.

Apesar dos desafios, a professora tem conseguido lidar com as dificuldades. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

A professora se sente confiante para dividir sua história, pois percebe que não é a única, mas que outros colegas também enfrentam dificuldades. “Vejo muitas pessoas entrando em depressão. Se antes já tínhamos muitos profissionais afastados [por saúde mental], quando voltarmos vamos ter muitos problemas de readaptação, não estamos tendo suporte nenhum”, enfatiza.

Panela de pressão


“O psiquiatra falou que eu coloquei tudo em uma panela de pressão e tampei. Uma hora ia estourar”, diz Ana Ericka Pereira, supervisora em duas escolas da rede municipal de João Pessoa (PB). Em 2019, Ana teve crises de nervosismo, chorava com muita facilidade, cansaço extremo, não conseguia dormir, desenvolveu uma gastrite nervosa. Em setembro, foi diagnosticada com depressão, ansiedade e Síndrome de Burnout. Ela foi afastada da escola.

No início de 2020, ainda não havia recebido alta, mas aceitou o convite de fazer parte da nova gestão da escola. Em março, veio a pandemia.

Em uma das escolas que leciona, as aulas estão suspensas pela falta de acesso à internet. “Alguns pais procuraram a escola para pedir que não fizessem [as aulas] por WhatsApp, porque não tinham como pagar a conta [do pacote de dados de internet]”, conta a professora. Os alunos receberam duas apostilas autoexplicativas – uma de revisão e outra com conteúdos novos – de todas as disciplinas. O direcionamento é para que as crianças realizem as atividades, que serão corrigidas na volta às aulas presenciais. Apesar das dificuldades, alguns alunos conseguem entrar em contato com os professores e tirar suas dúvidas. “O nível de ansiedade é muito grande, porque queremos fazer o melhor, mas nem toda família tem pacote de internet ou telefone. Nos frustramos”, confessa a professora.

Na outra instituição que Ana trabalha, o envio das atividades acontece pelo WhatsApp. Por ocupar o cargo de supervisora, ela acompanha diariamente 13 grupos. Além de apoiar os professores no diálogo com as famílias, no final da semana, é responsável por revisar as planilhas de acompanhamento de participação e conteúdos trabalhados por todas as turmas. “Acordo e os grupos já estão a todo vapor. Mensagens o tempo todo. Não tem me feito bem”, conta.

As incertezas de como atuar nesse novo contexto e lidar com o volume de demandas e informações intensificam os sentimentos. “São muitas coisas na cabeça de um ansioso. Eu mostrei para a psiquiatra que meu WhatsApp é assim: grupo com mais de 100 mensagens, e no outro mais 200. Eu ia dormir pensando que no dia seguinte teria que responder tudo”, afirma e complementa: “Os sintomas voltaram, tudo igual. Voltei com a medicação, porque não estava conseguindo”.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS DE ALERTA PARA A SAÚDE MENTAL?

“Eu queria voltar a trabalhar para ver como eu ia me posicionar. Mas tento assumir ‘300’ responsabilidades, não digo ‘não’ e isso acaba comigo”. Atualmente, a professora está afastada por um mês. Ainda participa dos grupos, olha tudo, mas não responde. O apoio de toda a equipe tem sido essencial neste momento. “Recebo mensagem todo dia perguntando como estou, para ficar tranquila, que está tudo certo, para não me cobrar, que vai dar certo. Me ajuda muito”.

Todo esse processo mostrou para a professora que é necessário aceitar que não será possível cumprir 100% e que a culpa não é da escola nem dos professores. “Não dá para se cobrar tanto, é um momento de paciência”, reforça.

No meio de tantas dificuldades, Ana Ericka renovou a admiração pela profissão. “A gente tem uma grande capacidade de se reinventar em todos os momentos e nas questões mais difíceis. O professor tem essa resiliência. Podem vir todas as tecnologias, mas nada vai substituir o educador na sala de aula”, afirma a educadora.

Seguir em frente apesar das incertezas

Na pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”, a professora Maria Aparecida**, da rede municipal de Belo Horizonte (MG), deu nota 10 para sua saúde emocional. “Nota 10, mas antes de começar a quarentena eu já tomava ansiolítico e continuei tomando. Tem me feito bem”, ela pondera.

O início do acompanhamento começou seis anos atrás, quando Maria perdeu sua mãe. “De lá para cá, eu deixei várias vezes de tomar medicamento por considerar estar bem”, conta. No entanto, há seis meses, a professora perdeu seu pai. “Foi pouco antes da pandemia. Para poder estar bem, voltei a tomar”, relata.

As preocupações da quarentena, não ajudam. Assim como as outras professoras, ela também tem vínculo com duas escolas. Com sua turma de Educação Infantil não tem contato direto com as famílias, mas envia atividades. Na outra instituição, em que leciona Matemática para o 4º e 5º ano, aderiu apenas recentemente ao ensino remoto. A professora envia atividades três vezes por semana para as turmas.

Maria conta que uma grande preocupação é como estão seus alunos durante a quarentena. “Eu pensava nisso o tempo todo, me doía não poder fazer nada. A gente faz o que está no nosso alcance”, diz a professora. Outro desafio da pandemia veio na área pessoal. Há 7 meses, Maria não vê seu filho. Ele é médico em São Paulo e trabalha na UTI. A distância acompanha seu filho na linha de frente do combate à covid-19. “É difícil. Eu sinto muita saudade e ansiedade pelo meu filho”, conta.

A incerteza da volta às aulas presenciais também causa ansiedade para a professora. “Eu faço qualquer coisa on-line, mas tenho receio muito grande da volta às aulas presenciais. Quais serão os protocolos? Não vejo nenhuma diretriz ou orientação”, diz Maria. O futuro ainda é incerto, mas a professora busca seguir em frente.

Aliado à medicação, Maria tem outras estratégias que a ajudam cuidar do seu bem-estar. Durante a quarentena, descobriu meditação e tem notado a diferença na prática diária.  “Voltar a ter contato, pensar nas crianças e preparar os materiais me faz bem”, conta. Recentemente também começou a fazer uma pós-graduação. “Tudo me ajuda a manter o equilíbrio. A ansiedade causa muito mal, mas eu tenho focado nisso [nas atividades que fazem bem]”, relata a professora. Ela conta que tem dias melhores e outros difíceis, mas que tem se sentido tranquila. Quando precisa de ajuda, ela recorre ao seu marido, ou conversa com sua irmã ou amigas por ligações em vídeo.

A culpa e a cobrança são grandes inimigos dos professores. No entanto, Maria percebe que aceitar as dificuldades e buscar caminhos possíveis dentro do cenário atual é reconfortante. “Eu procuro fazer o melhor, mas temos que aceitar nossos limites. Não vai se resolver de uma hora para a outra. Enquanto isso, vou fazer meu melhor e viver da melhor maneira possível”, conta.

Como cuidar na prática da saúde mental?

O cuidado com a saúde mental não deve ser apenas quando os problemas se tornam maiores do que conseguimos lidar. É preciso ter cuidados também para prevenir e saber pedir ajuda. Confira algumas dicas para cuidar de si durante a pandemia:

1. Alinhe expectativas consigo mesmo: é necessário diminuir a expectativa e aceitar que nem tudo sempre sairá como o planejado e que estamos fazendo o possível com o tempo e recursos disponíveis. “Para não ficar com a sensação de estar devendo”, afirma Adriana Fóz, diretora da NeuroConecte, e especialista em psicopedagogia e neuropsicologia.

2. Estabeleça uma rotina: nessa programação é importante estabelecer os horários para cada tipo de atividade (trabalhar, lazer, descanso, cuidados domésticos, exercício, etc). Não deixe de incluir pelo menos 20 minutos diários para se exercitar. Também reserve um tempo para atividades que te façam bem, seja assistir um programa de televisão, ouvir música ou contemplar o céu. “Coisas pequenas que ajudem a acrescentar alegria”, diz Marilda Lipp.

Uma das estratégias adotadas por Eliane, e indicada por especialistas, é fazer exercícios de respiração e meditação para controlar a ansiedade. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

3. Tenha conexão afetiva: o Dr. Cláudio Duarte, psiquiatra pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da unidade de dependência química do Hospital Santa Mônica, em Itapecerica da Serra (SP), diz que é possível vencer a distância com criatividade, se fazer presente de outras formas. “São pequenos carinhos que estimulam a sensação de afeto, importância e elo com o outro”. Esse mesmo olhar sensível é preciso ter com si. Ele aconselha prestar atenção em como você está se sentindo, cultivar uma autoestima profissional e assumir a sua própria importância.

4. Compartilhe seus sentimentos: conversar e falar sobre si com outra pessoa, seja um familiar, um colega de trabalho ou amigo, ajuda a tirar o peso da realidade e espairecer os pensamentos.

5. Fiscalize o pensamento: como comentamos anteriormente, o estresse está muito relacionado com a forma que percebemos um problema. Por isso, se apenas o enxergarmos como algo muito grande, a resposta do corpo será negativa. Então, tentar mudar a forma de pensar as situações para torná-las menos amedrontadoras.

6. Evite o excesso de notícias: é importante estar bem informado, mas consumir notícias o dia inteiro sobre a situação da covid-19 pode alimentar a ansiedade e o medo. Mantenha o equilíbrio!

7. Não se automedique: a automedicação e as compensações não saudáveis (por exemplo, encontrar no consumo de bebida alcoólica um alívio ao estresse) podem agravar a forma como vemos ou nos relacionamos com as situações. Se sentir que o problema está controlável procure práticas como meditação, técnicas de respiração e um espaço de confiança para se abrir. Se sentir que ele tomou proporções maiores do que consegue lidar, procure ajuda de profissionais.

A saúde mental não é um desafio exclusivo de um mundo em isolamento social. Ao longo da vida, não é possível fugir completamente de momentos estressantes. No entanto, é possível mudar a forma que lidamos com eles. Investir no autoconhecimento, refletir e racionalizar os problemas, e pensar saídas possíveis para lidar com cada situação são algumas dicas que Adriana dá para lidar com a frustração. O desenvolvimento de habilidade socioemocionais é uma forma de ter a disposição recursos e estratégias que ajudem a lidar com os problemas e situações difíceis – como a pandemia da covid-19 – durante a vida. E a sua saúde mental, como está, professor?

Nas próximas semanas, NOVA ESCOLA vai aprofundar as situações vivenciadas pelos educadores em uma série especial de 10 reportagens sobre os retratos da quarentena. Esta foi a primeira reportagem. A próxima reportagem contará a realidade das escolas rurais durante a quarentena.

*A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia foi realizada entre os dias 16 e 28 de maio de 2020 por meio de um questionário on-line disponível no site de NOVA ESCOLA. Ao todo, foram coletadas 9.557 respostas, sendo 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica.

**nome fantasia. A professora optou por se manter anônima.