Por Alcione Marques

 

A autonomia é uma habilidade fundamental para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, mas frequentemente é negligenciada pela escola e pelas famílias.

No meu trabalho como psicopedagoga clínica, tenho percebido que nos últimos anos vem aumentando o número de crianças e adolescentes que apresentam problemas de aprendizagem que se relacionam ou foram agravados por sua falta de autonomia.

Igualmente, tenho ouvido das escolas que esta é uma questão que tem se evidenciado.  Há relatos sobre pais que procuram resolver junto à escola todos os problemas de alunos que já teriam idade para resolvê-los sozinhos, até jovens que não conseguem organizar os próprios estudos sem ajuda no final do Ensino Fundamental, etapa em que já se espera que sejam capazes de fazê-lo.

O fato é que famílias de classe média ou mais abastadas têm com mais frequência atuado para proporcionar maior conforto aos filhos, liberá-los de tarefas diversas e solucionar seus problemas, sem se preocupar com a construção da autonomia, habilidade tão essencial para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

Um ambiente familiar promotor da autonomia considera as perspectivas da criança nas diferentes situações, ouvindo suas opiniões e argumentos; a encoraja a tentar e a experimentar, incorporando a dificuldade e o erro como parte do processo; proporciona a ela oportunidades de fazer escolhas, e atribui tarefas e responsabilidades condizentes com cada fase etária. Além disso, pais que valorizam o desenvolvimento da autonomia reforçam a automotivação das crianças e jovens e explicam as razões do porquê se engajar em certa atividade ou comportamento.

Nas tarefas escolares, por exemplo, pais promotores da autonomia estimulam a criança a tentar fazer as atividades a seu modo e com seus próprios recursos, questionando sobre como pensam que pode ser executada e de que maneira consideram que poderiam solucionar um problema. Pais que dão menor importância à construção da autonomia podem ser mais controladores, dizendo ao filho exatamente como fazer a tarefa em todos os detalhes, sem envolver a criança em um diálogo e na participação de como executá-la.

A escola, por sua vez, precisa pensar em ações intencionais e específicas para promover a autonomia dos alunos desde as primeiras etapas do ensino. Isto envolve desde o tipo de comunicação que os professores estabelecem com as crianças, à maneira como lidam com seus erros até ao espaço que se dá para a participação dos alunos na tomada de decisão relativa a alguns aspectos da rotina escolar.

É necessário proporcionar um ambiente que permita que o aluno manifeste e debata suas razões e pensamentos; que permita sua participação na construção de regras de convivência e deixe claras as consequências de suas ações; que o envolva na solução de problemas diversos, como conflitos com colegas e até mesmo a participação em outras questões da escola; que tenha ações estruturadas para ajudá-lo a organizar seu material, seu espaço, seu tempo e seus estudos, já que estas são habilidades que precisam ser ensinadas.

A escola precisa igualmente discutir a questão da autonomia com as famílias.  Deixar claro qual o objetivo das tarefas para casa, que mais do que serem feitas completa e corretamente, precisam expressar o que o aluno de fato aprendeu e é capaz de realizar. Estabelecer em que momento o aluno deve entrar sozinho na escola, sem o acompanhamento dos pais, e não permitir que tarefas ou materiais que foram esquecidos em casa pelos alunos sejam levados pelos pais. É necessário que a escola oriente as famílias a incentivar os filhos a resolver problemas para os quais já são capazes com colegas, com professores e com a escola em geral.

A autonomia relaciona-se com o sentimento de auto eficácia e autoestima. Estudos mostram que é particularmente importante para o bom funcionamento psicológico, social e no desempenho acadêmico, sendo fundamental para as complexas demandas da vida adulta e relacionando-se com diversas outras competências. Frente a estas evidências, é necessário que a autonomia esteja contemplada nos objetivos educacionais da escola e faça parte da reflexão das famílias para a educação de seus filhos.